Nutricionismo: o terrorismo alimentar
- Carol Avileis
- 6 de jan. de 2021
- 4 min de leitura
Nutricionismo é um termo cunhado pelo australiano Gyorgy Scrinis, professor na Faculdade de Veterinária, Agricultura e Ciências da Universidade de Melbourne. Depois o termo ficou popularizado por Michael Pollan em seu best-seller "Em defesa da comida".

O nutricionismo é a combinação de nutrição com terrorismo, quando olhamos a comida com um olhar reducionista sobre os nutrientes, separando-os entre bons e ruins, reduzindo os alimentos a elementos isolados. Essas informações dicotômicas diárias que recebemos sobre o que devemos comer e o que não devemos comer porque irá nos matar, causa uma grande ansiedade sobre o ato de comer. Glúten, lactose, carboidrato, entre outros, são alimentos considerados, dentro dessa perspectiva nutricionista, um verdadeiro veneno. Óleo de coco, chia, quinoa e outros alimentos da moda são praticamente milagrosos, verdadeiras panaceias.
Dentro do mundo da indústria da dieta, recebemos informações de médicos, revistas, nutricionistas e amigas de forma contraditória, sensacionalista, simplificada e muitas vezes pseudocientífica, a maioria uma prova anedótica. Os alimentos viram só carboidratos, proteínas e gorduras, sendo que desses, só a proteína parece ser boa pra saúde e pra emagrecer. Estamos ouvindo mal da comida o tempo todo, ao mesmo tempo que somos bombardeados por fotos e vídeos de comidas extremamente apetitosas, mas que são considerados verdadeiros pecados. Ou seja, um alimento prazeroso se torna proibido, então, ligando à culpa como se fosse um verdadeiro pecado católico da gula, sentimos a necessidade de expiação. Está formado o pensamento bulímico na sociedade, onde se faz algo "errado" de um lado para depois ter um comportamento compensatório do outro.
O problema é o "perdido por dez..."
Como ficamos o tempo todo sendo "tentados" pela indústria de restaurantes e alimentos a comer o que "não podemos", eventualmente acontece o inevitável. Você come aquilo que não deveria. Aí vem uma sensação de liberdade e de prazer tão grande, que a tentação de comer tudo o que for possível de uma vez é maior do que você consegue resistir. A culpa faz isso por você: "perdido por 10, perdido por 1000!". Aí você se convence que amanhã você irá fazer jejum, iniciar uma nova dieta, voltar ao plano alimentar do nutricionista, ou algo do gênero. O sentimento que prevalece, mesmo durante a comilança, é de culpa, baixa autoestima, sensação de fracasso. Você se convence de que tem um problema de força de vontade. Se você já passou por isso ou se sentiu assim, não estranhe. É um comportamento normal do ser humano, é neurociência!
Como queremos resultados rápidos, somos impacientes, exigentes e queremos emagrecer em pouquíssimo tempo, somos presa fácil para uma indústria que movimenta milhões todos os dias. Na primeira dieta que você fez, seu cérebro não esperava pela restrição de alimentos, e você perdeu peso rápido e facilmente. Mas a partir daí, começou um processo de aprendizado, e seu hipotálamo agora percebe a restrição rapidamente, diminui o metabolismo e aumenta a ansiedade e fome, de forma que fica cada vez mais difícil que você realmente consiga fazer uma dieta. Lembre-se que, evolutivamente, falta de calorias nunca foi um bom sinal, e seu corpo não tem interesse nenhum de perder peso, que sempre foi um risco de vida.
Se você é imediatista, provavelmente acreditou que o corpo pode ser colocado dentro de um padrão e que isso seria possível com dinheiro, tempo, conhecimento e disciplina. Mas não é assim que funciona! Seu corpo não é uma máquina que você ajusta como quiser. Você precisa tratá-lo com carinho e cumplicidade. Ele chegou até aqui no nosso processo evolutivo para se manter vivo, adaptado ao meio ambiente. Para levar seu corpo a ficar mais saudável, você precisa de paciência e afeto. Não existem milagres na perda de peso rápido: 95% das pessoas que emagrecem rapidamente com uma dieta restritiva voltam ao peso inicial ou ganham ainda mais peso.
Fuja do nutricionismo e das promessas milagrosas!
Sobre o livro Nutritionism – The Science and Politics of Dietary Advice

O conceito de nutricionismo é baseado em reduzir-se o entendimento de nutrientes como os principais indicadores de alimentos saudáveis - uma abordagem que dominou a ciência da nutrição, conselhos dietéticos e marketing de alimentos. O professor argumenta que essa ideologia estreitou e, em alguns casos, distorceu nossa apreciação da qualidade dos alimentos, de modo que mesmo alimentos altamente processado podem ser percebidos como saudáveis, dependendo de seu conteúdo de nutrientes "bons" ou "ruins".
Alguns pontos do livro são bastante interessantes:
Investiga o debate manteiga versus margarina, a batalha entre dietas com baixo teor de gordura, baixo teor de carboidratos e outras dietas para perda de peso e a promoção estratégica da indústria de alimentos de alimentos nutricionalmente aprimorados. Revela os fatores científicos, sociais e econômicos que impulsionam nosso fascínio moderno com nutrição.
Desenvolve uma estrutura e terminologia originais para analisar as características e consequências do nutricionismo desde o final do séc. XIX. Ele começa com a era da quantificação, em que a ideia dos nutrientes protetores, do reducionismo calórico e dos efeitos curativos das vitaminas tomou forma. Ele segue com a era do bom e do mau nutricionismo, que estabelece diretrizes alimentares girando em torno dos nutrientes e define os parâmetros dos nutrientes não saudáveis, e conclui com nossa era atual de nutricionismo funcional, em que o foco mudou para nutrientes direcionados, superalimentos e dietas ideais.
A pesquisa do autor ressalta o papel crítico da ciência da nutrição e do conselho dietético em moldar nossa relação com os alimentos e nossos corpos e em aumentar nossas ansiedades nutricionais. Ele finalmente mostra como o nutricionismo alinhou as demandas e necessidades percebidas dos consumidores com os interesses comerciais dos fabricantes de alimentos e corporações.
O autor também oferece um paradigma alternativo para avaliar a salubridade dos alimentos - o paradigma da qualidade dos alimentos - que privilegia a produção e a qualidade do processamento dos alimentos, o conhecimento cultural-tradicional e a experiência sensual-prática e promove formas menos redutoras de pesquisa nutricional e aconselhamento dietético.
Scrinis, Gyorgy. "Nutritionism – The Science and Politics of Dietary Advice"
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