top of page

Conciliando genética e ciência

No post anterior falei sobre a nutrigenômica, e como existe uma relação entre a expressão genética e a alimentação de cada um. Se você perdeu esse post, clique aqui.


Você consegue imaginar a diferença genética entre Usain Bolt e Kibiwott Kandie, queniano vencedor da São Silvestre em sua edição de 2019? Um deles tem uma excelente estrutura muscular para explosão, e correu de forma assustadoramente rápida 100 metros. O outro tem uma estrutura muscular impressionantemente resistente, quebrando recordes mundiais de meia-maratonas e ganhando a maratona de São Silvestre em 2019. E se um quisesse ter o corpo do outro? Nenhum deles estaria na plenitude da sua genética, certo?


Não somos todos iguais quando se trata de estrutura muscular. Mas também não somos todos iguais quando se trata de peso, ou de estrutura óssea. Nosso perfil genético de peso, ou de perda de peso, varia grandemente de uma pessoa pra outra. Não é só uma questão de fechar a boca e fazer exercício físico. Não é só uma questão de força de vontade e disciplina. É muito mais complexo que isso.


Não temos só que levar em consideração a nutrigenômica, ou calorias, ou nutrientes. Existem importantes fatores ambientais, emocionais e de comportamento alimentar envolvidos.


A visão simplista do cálculo de calorias


Você pode ter tido a experiência de ir a um nutricionista, formado, habilitado, às vezes até bem indicado por um médico. Você pode ter feito todo o ritual no consultório do seu nutricionista: ele te pesou, tirou suas dobras cutâneas, e, se for daqueles mais chiques, até fez em você a bioimpedância, pra ver o percentual de gordura "certinho" (até onde o aparelho se propõe) do seu corpo.

Aí o nutricionista calculou de acordo com as tabelas maravilhosas que ele tem, o quanto você tem de gasto energético no seu metabolismo basal, ou seja, em repouso. É o quanto você irá gastar mesmo que ficar deitada na cama o dia todo, sem fazer nenhuma atividade. Daí sai o cálculo maravilhoso que eu mesma já ouvi muitas vezes: é matemática! Você precisa gastar mais calorias do que ingere! Precisa haver o déficit calórico para emagrecer!


E aí ele calcula a dieta com o tal déficit calórico, te passa um plano alimentar, pede pra você seguir pelo menos 80% do plano pra ter os melhores resultados, e mais rápido. E, de preferencia, aumentar seu gasto energético com exercício físico. Pronto! Assunto resolvido. Agora já sabemos quantas calorias você vai ingerir.


Certo? Em partes. Você pode até saber quantas calorias ingere. Mas não saberá nunca quantas calorias absorveu. Ou quantas efetivamente gastou. Isso porque o cálculo de calorias não é, nem nunca foi, suficiente para explicar o ganho de peso e muito menos para possibilitar a perda de peso. Nas fezes, você joga fora todo o "resto" dos alimentos que não foram digeridos, certo? Também perdemos alguma química pela urina, e pelo suor. Ou seja, calorias são perdidas também. Então, apesar de você controlar a ingestão calórica, não pode controlar a absorção calórica, nem o gasto calórico, que irá ser regulado pelo seu cérebro (no hipotálamo), de acordo com as necessidades, genética, fatores ambientais e percepção emocional dessa alimentação.


Somos seres vivos com emoções, regulação, vontades e comportamentos.


A neurociência e o emagrecimento


Se o cérebro controla meu metabolismo, minha fome e minha saciedade, então talvez a neurociência possa me ajudar muito a compreender esse processo todo. Esse controle todo é feito por diversas regiões cerebrais, mas, principalmente, pelo hipotálamo. O cérebro é formado pela área cortical (aquela que parece um miojo) e pelo sistema límbico, mais interior ao cérebro. A parte cortical é também responsável pela cognição, por raciocinar, pelo aprendizado, por tomar decisões, por interpretar a realidade externa. A parte límbica é muitas vezes chamado de cérebro primitivo ou animal. Ele controla todas as funções vitais de sobrevivência e comportamentos automatizados, por motivos de economia de energia. Não temos controle cognitivo sobre essa parte do cérebro (onde está inclusive nosso hipotálamo).


Aí entra a neurociência pra nos ajudar a entender como o comportamento alimentar pode fazer diferença na forma como o hipotálamo interpreta o que acontece do lado de fora do nosso corpo. Já sabemos que temos preferencia por alguns alimentos e não por outros pela presença de substâncias químicas no cérebro. Existem também áreas no cérebro que são responsáveis por respostas a recompensas, e que alguns alimentos (carboidratos e gorduras) são capazes de ativar essas áreas também. Nosso cérebro evoluiu por milhares de anos para ser atraído por alimentos em que havia mais energia disponível, para que pudéssemos aumentar nossa chance de sobreviver. Mas, na época em que vivemos, a maior parte de nós tem o problema contrário: excesso de oferta de alimentos. E precisamos aprender a lidar com esse novo paradigma ambiental.


Quando fazemos dietas restritivas (seja em grupos alimentares, seja em calorias, seja em porções, não importa), as emoções que sentimos são nossa forma de interagir com o meio ambiente. Se, ao fazer uma dieta, você tem grandes expectativas com relação a perda de peso e pensa em comida mais do que deveria, as emoções que irão se comunicar com seu sistema límbico serão traduzidas como FOME. Porque ao longo da evolução, sempre que pensávamos demais em comida, era porque estávamos com fome e precisando de comida, ou porque tínhamos medo de ficar sem comida, e morrer de fome. Ainda não temos a programação mental de excesso de comida!


Por isso, dietas restritivas não funcionam. Contar calorias não funciona. Ser simplista não funciona. Mas nesse blog você vai encontrar muitas coisas que funcionam. Trabalhar com o comportamento alimentar é um deles, comer de forma intuitiva é outro.


Não existe caminho rápido para a perda de peso permanente.


Kommentare


bottom of page