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Compulsão alimentar não é sintoma de ansiedade

É senso comum dizer que comemos demais porque estamos ansiosas, ou descontar na comida a ansiedade. Essas frases são uma daquelas que são referências circulares e não explicam nada, mas fazem um bom estrago pelo caminho.



A compulsão alimentar é uma doença bem definida e classificada no Manual de Transtornos Psiquiátricos americano chamado DSM-5, debaixo do capítulo de transtornos alimentares. Ela tem uma descrição da doença diferente daquela definida em outro capítulo por Transtornos de Ansiedade, onde estão, por exemplo, o Transtorno de Ansiedade Generalizada, Fobias e Transtorno do Pânico.


O que isso quer dizer é que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Transtornos de ansiedade aparecem muitas vezes junto com transtornos alimentares? Sim. Mas são um sintoma do outro? Não. São as chamadas comorbidades, ou seja, doenças que frequentemente aparecem juntas. Um exemplo de comorbidades são doenças cardíacas e diabetes aparecerem na mesma pessoa, ao mesmo tempo. Se você tratar a pressão alta, irá resolver a diabetes, ou vice-versa? Claro que não, isso é bastante óbvio. O que não parece óbvio é que a compulsão alimentar e a ansiedade também são comorbidades, e o tratamento das duas são de certa forma independentes uma da outra, podendo ser, entretanto, tratados pelo mesmo médico e mesmo psicoterapeuta, por exemplo. Se você tratar a ansiedade, irá se ver livre da compulsão alimentar? De forma nenhuma. Se você tratar a compulsão alimentar, irá se ver livre da ansiedade? Também não.


Tendo deixado isso claro, vamos entender outra coisa. A compulsão alimentar, por se tratar de um transtorno envolvendo o comer disfuncional, estruturas dos núcleos da base (no cérebro) e um equilíbrio de neurotransmissores, não é uma doença tão facilmente compreendida, ou mesmo mapeada. Muitos fatores podem disparar um processo compulsivo, dentre eles a dieta restritiva, jejuns, sofrimentos psíquicos diversos e gordofobia. Quando a crise de compulsão alimentar se instala, o processo é mais ou menos automático, e a pessoa que sofre desse mal se sente como se perdesse o controle da situação e não estivesse escolhendo mais realizar esses comportamentos. Esses comportamentos compulsivos são disparados pelos centros de sobrevivência do cérebro, e se comunica conosco através de uma enorme ansiedade que precisa ser satisfeita unicamente pelo comer compulsivo. Essa sensação que chamamos também de ansiedade, não é a mesma ansiedade que sentimos em um transtorno de ansiedade. É apenas uma questão semântica, pois usamos a mesma palavra para relatar eventos de causas distintas.


Assim, quando uma crise de compulsão alimentar se instala, ela dispara mecanismos de sobrevivência que fatalmente são acompanhados de sensações de ansiedade, falta de controle, descompensação e até amnésia ou lapsos de memória durante a crise. A forma que tratamos a compulsão alimentar durante uma crise não tem relação com diminuir a ansiedade, como fazemos em uma crise de ansiedade, mas sim atuar em outros mecanismos muito mais parecidos com o transtorno obsessivo-compulsivo (que, aliás, é marcado por uma aguda ansiedade para realizar certas atividades, e mesmo assim ninguém sai falando que o TOC é sintoma de ansiedade) do que com um transtorno de ansiedade.


Espero com esse post ter esclarecido que não basta um tratamento para ansiedade, ou o uso de ansiolíticos, para a recuperação da compulsão alimentar. É necessário um tratamento específico, diretivo e resolutivo. Não basta melhorar das crises, é preciso se recuperar, através da extinção dos comportamentos compulsivos. E isso é possível sim. Procure um psicoterapeuta especializado.

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