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Comportamento alimentar e a neurociência

Muita coisa se lê por aí sobre efeitos mágicos, químicas mágicas, comidas mágicas e hormônios mágicos para emagrecer ou tirar a fome. Quando não é "mágica" a palavra usada, é "quântica", ou "milagrosa". Sinceramente não sei qual é mais mentirosa. Se você quer ter um conhecimento mais aprofundado dos estudos que existem, continua lendo esse post. Se você não se interessa agora, guarda esse post e saiba que o dia em que alguém te falar besteira você pode voltar aqui e conferir as tecnicidades da neurociência da fome. Não acredite em nomes como "hormônio do prazer", "hormônio da felicidade", ou "hormônio da fome". Tudo besteira. O que acontece é um complexo sistema de troca de sinais químicos e elétricos no nosso cérebro.


Já se sabe há muito tempo que o hipotálamo exerce um papel fundamental no comportamento alimentar. O hipotálamo é parte do cérebro, bem pequeno, mas muito importante. Ele está logo abaixo do tálamo e é parte do centro do nosso encéfalo chamado diencéfalo. Apesar de pequeno, ele ainda é dividido em diversos núcleos bem definidos, e dentre esses núcleos, o núcleo paraventricular e a área hipotalâmica lateral tem sido parte de pesquisas que indicaram que desses dois núcleos sai muito do comportamento alimentar. Os sistemas neurais envolvidos no controle de aspectos específicos do comportamento alimentar e diversos componentes fazem parte desse comportamento! Não só um hormônio da fome.


Por exemplo, a ingestão de diferentes tipos de nutrientes é regulada por diferentes tipos de neurotransmissores! Quando há uma maior quantidade de norepinefrina ou neuropeptídeo Y, há a iniciação do comportamento alimentar, com preferência de alimentos ricos em carboidratos. Por outro lado, quando a galanina está em maior quantidade, há preferência da ingestão de gorduras, enquanto os opióides aumentam o consumo de proteínas.


Isso quer dizer que o próprio corpo regula quais nutrientes ele tem preferência de receber naquele momento, secretando o peptídeo que irá disparar a maior fome por aquele determinado grupo alimentar. Uma série de estudos apontou que os níveis do neuropeptídeo Y (NPY) são afetados por sinais de fome e saciedade, ou aumentam com a privação de alimento e diminuem com a alimentação.


Então, para diminuir a alimentação de carboidratos, basta que eu diminua a quantidade de NPY? Na verdade, não. O NPY é produzido também no hipotálamo e também influencia diversos outros fatores, como: reduz a ansiedade e o estresse, reduz a percepção da dor, afeta o ritmo circadiano, reduz a ingestão voluntária de álcool, reduz a pressão arterial e controla convulsões epilépticas. Ou seja, nenhum neurotransmissor ou hormônio é responsável por apenas uma função no corpo, e nem uma função no corpo é controlada por apenas um hormônio.


Pra você ter uma ideia, estudos mostram que a estimulação elétrica do nervo vago faz com que o animal se alimente. Por outro lado, quando se corta totalmente o nervo vago logo abaixo do músculo diafragma, isso faz com que não ocorra a indução do comportamento alimentar quando se aplica a norepinefrina no hipotálamo.


Mais uma influência na alimentação? Vamos lá. O comportamento alimentar induzido pela injeção de norepinefrina no hipotálamo pode ser abolido se retirarmos a hipófise dos animais, mas ele é restaurado pela aplicação sistêmica de cortisol. Aí já fica sugerido que os glicocorticoides, também controlados pelo hipotálamo, favorecem a iniciação do comportamento alimentar. Ou seja, o hipotálamo está envolvido na indução do comportamento alimentar graças às influências que esse local neural exerce nos sistemas autônomos e neuroendócrinos envolvidos no controle do metabolismo.


Ainda temos que entender como a insulina e a glicose podem afetar o comportamento alimentar. Ficou demonstrado nos estudos que dois peptídeos secretados pelo hipotálamo mediam as respostas de estímulo da fome e redução de taxa metabólica para preservação de estoque de energia do corpo. Eles são chamados de HCM (hormônio concentrador de melatonina) e ORX (orexina ou hipocretina).


Além dos mecanismos envolvidos na ingestão alimentar, foram estabelecidos alguns mecanismos neurais responsáveis pela saciedade, o que tem especial relevância para entendermos a fisiologia da fome e da saciedade. Foi descoberta uma proteína chamada leptina, secretada pelas células adiposas (células de gordura). Ligando-se a receptores do cérebro, essa proteína interrompe a ingestão de alimentos e aumenta a taxa metabólica.


E eu nem precisei falar da grelina, o tal hormônio da fome, pra provar pra você que existem muito mais fatores a serem levados em consideração na sua fome e saciedade do que alguns profissionais proclamam por aí. Como você pode ler, pelo resumo que eu trouxe aqui, existem diversos fatores que influenciam o quanto, o que e com que frequência você deve comer. Seu corpo é um sistema mega complexo que se autorregula de forma absurdamente fantástica, e você não precisa, nem deve, interferir nisso, seja com jejuns, dietas, chás, e remédios. Tudo o que você fizer irá ter um efeito colateral no seu corpo, que irá cobrar o preço por você ter mexido no seu equilíbrio.


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Referências:

LENT, Robert (2020). Neurociência da mente e do comportamento, p. 232-233.

Kelley AE (2004). Ventral striatal control of appetite motivation: role in ingestive behavior and reward-related learning. Neuroscience and Behavioral Reviews, vol. 27, p. 765-776.

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